A Jornada do Limbo ao Amor Incondicional

Minha vida desde o encarne foi um tanto quanto complicada. Minha mente sempre foi divergente, e desde as primeiras lembranças de consciência eu sabia que minha jornada seria diferente.

Os Primeiros Sinais do Sagrado

Minha mediunidade se manifestou muito cedo. Durante toda minha infância, eu realizava viagens astrais a uma escola – vou denominá-la “a escola do espaço”. Lá, diariamente, eu assistia aulas junto a outros irmãos, e uma professora me lecionava sobre os mais diversos temas e tópicos relacionados à experiência humana.

Meus dias, por vezes, continham vultos, sensações de calafrio ou energias que até muitos anos depois não saberia compreender ou lidar. Era como viver entre dois mundos, sem mapa para navegar em nenhum deles.

Como uma mera crianca, pouco podia eu entender. E em dado momento passei a ter medo dessas experiencias. e pedi á espiritualidade, que parasse de ver tais coisas.

E como uma carinhosa mae, assim foi feito.

O Desencontro com o Próprio Corpo

Nos planos materiais, eu também destoava. Havia encarnado como um ser do gênero masculino, mas em minha mente me reconhecia como do gênero feminino. Como alguém que encarnou em uma região de pouco conhecimento psicossocial, onde o amor ao irmão, especialmente àqueles que destoam dos padrões, era e é muito difícil, passei por inúmeras dificuldades e preconceitos desde o berço.

Minha jornada foi repleta de questionamentos:

Por que a vida deveria ser assim? Por que havia encarnado de tal forma? Por que havia encarnado com um fardo eterno e imutável de sofrimento?

Como poderia Deus ter cometido tamanho erro para uma de suas filhas?

Não sentia desejo algum de viver uma jornada onde eu fosse um mero erro de um ser maior.

Não sentia desejo de viver uma jornada onde, desde a primeira infância, eu conhecia o que era o abandono e a solidão.

Eu não compreendia, até então, tamanho dom que aquilo representava. Tamanho presente que era poder viver a dor em sua mais pura essência. A solidão em sua mais pura essência.

A Busca e as Conquistas Vazias

Desde muito nova, sonhei em ser quem eu sou hoje: me tornar a mulher que sou hoje, concluir minha formação em Medicina, ser respeitada como profissional, realizar todas as cirurgias que considerava importantes para minha transição de gênero, construir um relacionamento saudável e encontrar a felicidade.

E, de certa forma, conquistei tudo isso.

Mas, ainda assim, algo em mim permanecia vazio. Um sentimento de solidão profunda e a sensação de que, mesmo com todas essas conquistas, faltava sentido. Mesmo conquistando tudo, eu ainda me sentia só. Eu sofria tal qual no começo de minha jornada.

O Abismo da Desesperança

Em dado momento, tudo se expandiu mais ainda, com muitas batalhas internas e externas. E, em um certo dia, depois de inúmeras novas decepções com a vida, algo em mim desabou. Senti que não aguentava mais, que a dor de existir estava grande demais, e que talvez a melhor opção fosse simplesmente desistir.

Sentia que passar pela busca do perdão ao fato de cometer tal crime contra a maior lei universal era menos doloroso que continuar essa existência.

Sendo médica, eu sabia exatamente como agir para que meus objetivos fossem bem-sucedidos. Então, em uma madrugada, eu simplesmente tomei a decisão de atentar contra minha própria vida.

O Limbo da Alma

Mas, ao contrário do que muitos relatam em experiências de quase morte, eu não fui para um lugar luminoso. Não me reconectei imediatamente com Deus. Tampouco fui para um lugar escuro e ameaçador, uma esfera umbralina como havia aprendido em minha formação espírita que seria meu destino.

Eu fui para o nada. Um nada absoluto. Uma espécie de limbo.

Não havia chão, nem teto, nem paredes. Não havia sensação de queda. Não havia sensações físicas. Eu apenas… existia ali.

Até que apareceu uma mulher.

O Encontro com a Compaixão

Ela estava toda de branco. Lembro do rosto dela, da pele clara, dos cabelos loiros com tons de castanho, ondulados. Ao vê-la, tive uma sensação indescritível de paz. Era como reencontrar uma amiga de infância, alguém que cresceu comigo e que eu amava muito. Ela me transmitia acolhimento e serenidade.

Conversamos por tanto tempo que não poderia saber dizer. Eu não lembro de tudo o que foi dito, mas algumas coisas ficaram muito marcadas.

Ela me disse que não era a minha hora. Que havia um propósito maior nesta vida e que eu iria descobrir esse propósito. Mas que não poderia ir embora ainda.

Comentou que eu tinha uma alma caridosa, que já foi boa com várias pessoas e que ainda seria. Que não era para estar naquele lugar. Não ainda. Não naquele momento.

E compartilhou algo que ecoa em mim até hoje: na espiritualidade, muitas vezes eles não interferem quando alguém escolhe partir pelo próprio livre-arbítrio. Mas que, no meu caso, eles decidiram interceder.

Tantos questionamentos surgiram… Por que intercederam por mim? Por que decidiria voltar?

Entre a Vida e a Morte

Enquanto isso, no mundo físico, meu corpo estava à beira da morte. Minha saturação de oxigênio estava em torno de 20%, meu coração quase parado. Fiquei nesse estado por cerca de 12 horas, até que minha família me encontrou. Fui levada ao hospital, entubada, internada na UTI. Todos os médicos diziam que, para o tempo sem oxigênio no cérebro, eram mínimas as chances de sobrevida e, se sobrevivesse, teria sequelas gravíssimas.

Durante todo esse tempo, eu estava ao lado dessa mulher. Ela falava comigo sobre a vida, sobre o meu valor, sobre o meu caminho.

Em dado momento, senti que nosso tempo estava se encerrando e, como uma decisão inconsciente, minha alma escolheu voltar. Não foram necessárias palavras, apenas o arrependimento e o desejo de continuar.

E nesse momento eu escolhi voltar.

Foi uma despedida na qual senti um acolhimento e um amor gigantesco:

“Vá, seja forte e continue sua jornada”.

O Despertar para uma Nova Compreensão

E então, após dois dias na UTI, eu acordei. A primeira pessoa que vi foi uma colega médica muito próxima. Ela me olhou e perguntou: “Você sabe quem eu sou?” E, sem entender muito bem, eu respondi o nome da mulher do limbo — que hoje já não consigo mais lembrar.

Antes dessa mulher partir, ela me deu um presente, um presente pelo qual serei sempre grata: a lembrança.

A lembrança do Todo.

A lembrança de que eu não era apenas um corpo vivendo uma experiência espiritual, mas sim uma alma vivendo uma experiência carnal.

A chave para o retorno ao abraco de nosso Divino Pai Eterno.

O Amor Ágape. A mais pura linguagem que algum dia poderíamos conhecer.

A Busca pelo Entendimento

Passei os próximos meses tentando logicamente entender o que havia sido aquilo. Como eu havia sido acolhida mesmo cometendo tamanho pecado?

Como nas Escrituras:

“O Senhor é compassivo e misericordioso, mui paciente e cheio de amor. Não acusa sem cessar nem fica ressentido para sempre; não nos trata conforme os nossos pecados nem nos retribui conforme as nossas iniquidades. Pois como os céus se elevam acima da terra, assim é grande o seu amor para com os que o temem; e como o Oriente está longe do Ocidente, assim ele afasta para longe de nós as nossas transgressões.” (Salmos 103:8-12)

E é esse o amor Dele.

O Amor Ágape. A mais pura linguagem.

A Alquimia da Dor

Aquela dor – tamanha dor que me fizera pensar em desistir – se mostrou a minha grande força. Afinal, a dor e o amor são faces da mesma moeda. Aprender a retribuir amor apesar da dor é um dos grandes ensinamentos que Jesus deixou a nós.

Como Mahatma Gandhi dizia: “A não violência absoluta é a ausência absoluta de danos provocados a todo o ser vivo. A não violência, na sua forma ativa, é uma boa disposição para tudo o que vive. É o amor na sua perfeição.

Esse amor, visto também inúmeras vezes nas sagradas escrituras:

“Amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam; bendizei os que vos maldizem; orai pelos que vos caluniam.” — Lucas 6:27–28

“Não resistais ao perverso… se alguém te obrigar a caminhar uma milha, vai com ele duas.” — Mateus 5:39–41

“Não torneis a ninguém mal por mal… Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem.” — Romanos 12:17–21

“Se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe pão para comer; se tiver sede, dá-lhe água para beber.” — Provérbios 25:21–22

“Se alguém bater em você numa face, ofereça-lhe também a outra. Se alguém tirar de você a capa, não o impeça de tirar a túnica.” — Lucas 6:29

“Pois estou convencido de que nem morte nem vida, nem anjos nem demônios, nem o presente nem o futuro, nem quaisquer poderes, nem altura nem profundidade, nem qualquer outra coisa na criação será capaz de nos separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus, nosso Senhor.” (Romanos 8:38-39)

Tudo se resume a uma grande lei: o Amor Ágape.

A mais simples e pura lingugagem.

A chave para o reencontro com o todo.

A Revelação Mais Simples

Então tudo fez sentido. A cura para toda aquela dor. A cura para todo aquele sofrimento. A cura para todo aquele vazio era tão simples…

E estava diante de meus olhos o tempo todo. Eu apenas não conseguia enxergar.

Era o Amor.

O Amor que não julga a origem da ferida, mas simplesmente cura. O Amor que não pergunta se merecemos, mas simplesmente oferece. O Amor que não espera perfeição, mas acolhe nossa humanidade quebrantada e a torna sagrada.

O Amor Ágape.

A maior descoberta de minha jornada foi compreender que não precisamos nos tornar dignos do amor – nós já somos amor, temporariamente esquecidos e corrompidos de nossa verdadeira natureza.

E quando finalmente lembramos, até mesmo a dor se revela como o caminho mais direto de volta para casa. Cada ferida se torna uma porta, cada lágrima se transforma em oração, cada momento de solidão se revela como um convite ao encontro com nossa essência divina.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *